DIÁLOGOS COM ORLANDI - FORMAS DO SILÊNCIO - I ENCONTRO



Por que Orlandi afirma ser um risco caminhar entre o dizer e o não-dizer, quando nos colocamos na relação do dizível com o indizível?

          Muitas vezes, é muito complexo compreender as diversas formas do silêncio, assim como sua funcionalidade na linguagem, justamente porque nas memórias discursivas, que foram se formando durante a nossa conjuntura político-social, foram cristalizados os status de passividade e de negatividade do silêncio e, nessas considerações, aprendemos relegar o silêncio como algo secundário à linguagem e principalmente por não compreender que as formas do silêncio estão intimamente interconectadas com a história e a ideologia através dos movimentos discursivos dos sujeitos.

          Por isso, para não incorrermos em riscos gerados pelos efeitos do próprio silêncio, devemos compreendê-lo: seus efeitos fundadores, constitutivos, isto é, de apagamento, e sobretudo, os efeitos de silenciamento, ou seja, de interdição, de censura. Depreender tais formas do silêncio, consiste em deixar de lado a crença de que para dizer é preciso pronunciar; de que o dito é estável e imutável; e, por fim, de que a relação com o dizível, ou seja, com a possibilidade de formulação, só se dá pela linguagem verbal (ou outras formas de linguagem como a imagética e a gestual). Essa depreensão  nos faz criar embasamento sólido, "uma ponte estável" no momento de analisar enunciados, porquanto, à disposição desse saber, compreendemos a ligação que o silêncio tem com o caráter de incompletude da linguagem, assim como nos possibilita entender que "todo dizer é uma relação fundamental com o não-dizer" (ORLANDI, 2007, 12).

          O silêncio é também efeitos de sentidos entre interlocutores porque, segundo ORLANDI (2007, p. 29)  o silêncio é o real do discurso. Isto porque se podemos afirmar que o indivíduo é constituído em sujeito ao ser interpelado pela ideologia e que as formações discursivas desse sujeito desempenham um funcionamento na qual tal ordem discursiva determina o que pode e deve ser dito em dada situação (PÊCHEUX, 1997, p 166), logo, podemos afirmar que os sentidos afetam os sujeitos pelos silêncios engendrados nas estruturas linguísticas (letras, palavras, frases, orações, períodos) e, dessa maneira entendemos que o risco real está em não percebermos que há muitos sentidos em silêncio naquilo que foi posto.



          Se, por exemplo, considerarmos o Twitter de Donald Trump com os dizeres, no final de sua postagem, "Quando os saques começam, os tiros começam"., a pressuposição e o subentendimento que podemos abstrair desse enunciado são partes dos implícitos que são uma forma de não-dito, mas não podemos considerarmos como funcionamento do silêncio (ORLANDI, 2007). Nesse caso pressupomos os sujeitos envolvidos (saqueadores e atiradores), pressupomos também a "tolerância zero" com atos ilícitos e, por fim (mas não saturando todas as possibilidades de pressuposições), para os atos de vandalismo, a resposta será imediata. Tudo isso está contido no enunciado como não-dito. Assim como, de forma resumida, podemos também subentender que o governo de Trump está adotando medidas severas para impedir que manifestantes saiam às ruas.

          Agora, se formos levar em consideração os silêncios engendrados no mesmo enunciado, notamos que o sujeito-enunciador, Donald Trump tenta silenciar o fato de que esse mesmo dizer (pré-construído) é na verdade um retorno aos discursos racistas proferidos de 1967. Esse mesmo dizer, proferido por Walter E. Headley, no referido ano, configurou a perseguição implacável de negros na Cidade de Miami, Florida, EUA. Esse silêncio constitutivo, se diz X para não (deixar) dizer Y, é perceptível, pois no início do enunciado Trump busca utilizar efeitos de condescendência ao selecionar as palavras "desonrando" e "memória" de George Floyd (negro morto por um policial racista). Logo depois ele sustenta sua imagem de preocupação sobre o assunto com o enunciado "falei com o Governador Tim Waltz e disse a ele que os militares estão a caminho", bem como o dizer "qualquer dificuldade assumiremos o controle", que denota monitoramento e domínio da situação.

          Nessa perspectiva, o que foi dito antes dos dizeres "Quando os saques começam, os tiros começam" são as marcas do silêncio constitutivo, pois ao afetar os sujeitos-leitores com efeitos de preocupação com um tom discursivo de condescendência, Trump tenta apagar as memórias discursivas engendradas em tal enunciado, sob a forma de pré-construído, que retomam os dizeres racistas de Walter E. Headley.

          Através dessas considerações, podemos de fato compreender que tomar o silêncio como objeto de reflexão é na verdade nos dispormos a percorrer o caminho entre o dizível e o indizível, é apreciar o que é posto, mas também considerar o movimento do não-dito e as formas que os silêncios se manifestam no dizer.

Referências

ORLANDI, Eni P. As formas do Silêncio: no movimento dos sentidos. 6ª ed. Campinas, SP: Pontes da Unicamp, 2007.

PÊCHEUX, M. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux; Organizadores: François Gadet, Tony Hak; tradutores Bethania S. Mariani... [et al.]; 3ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997.


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Comentários

  1. O poder do silêncio, quando alguém faz uma perguna e você fica em silêncio , viu? As vezes o silêncio responde o que mil palavras não respondem

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